A redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2023 teve como tema: “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. Mais de 4 milhões de candidatos tiveram que elaborar um texto dissertativo e uma proposta de intervenção sobre o tema. A escolha do assunto foi elogiada por milhares de brasileiros, sobretudo, pelas mulheres. Afinal, finalmente, a economia do cuidado e o excesso de atribuições domésticas e familiares das mulheres entrou em debate e conscientização nacional.
No Brasil, conforme o Censo 2022 divulgado pelo IBGE, há 6,0 milhões de mulheres a mais do que homens. A população é composta por 104,5 milhões de mulheres (51,5% da população) e 98,5 milhões de homens.
O trabalho “invisível”, como cuidar da casa e dos filhos, além de trabalhar fora, sobrecarrega as mulheres de uma forma desigual, levando a maioria ao esgotamento e adoecimento físico e mental.
“Esgotadas”
Segundo o relatório “Esgotadas”, produzido pela ONG Think Olga, 86% das brasileiras consideram ter muita carga de responsabilidade, 48% sofrem com uma situação financeira apertada, 28% se declaram como única ou principal provedora de seu lar e 57% das mulheres (entre 36 a 55 anos) são responsáveis pelo cuidado direto de alguém.
A pesquisa, que entrevistou 1.078 mulheres de 18 a 65 anos de todo o país, aponta que as brasileiras se sentem: ansiosas (55%), estressadas (49%), irritadas (39%), exaustas (28%), com baixa autoestima (28%) e tristes (25%). Além disso, 45% já tiveram diagnóstico de ansiedade, depressão ou outros transtornos mentais, e 68% fizeram algum acompanhamento médico.
Recorte racial
A falta de reconhecimento desse trabalho afeta a participação econômica das mulheres e fortalece as desigualdades de gênero. Além disso, há o recorte racial no debate sobre cuidado, pois a maior parte das mulheres envolvidas nesse tipo de trabalho são mulheres negras. De acordo com levantamento do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, as mulheres negras equivalem a 45% das pessoas que atuam em serviço de cuidados. As mulheres brancas são 31%; e os homens, sejam brancos ou negros, equivalem a 24%.
Um levantamento da PUC-RS com dados do IBGE mostra que 40,69% das mulheres, com três ou mais filhos de até 15 anos, não tinham um emprego remunerado entre outubro e dezembro de 2022 por causa dos afazeres domésticos. A diferença com os homens é profunda: só 0,62% dos pais estavam fora da força de trabalho por esse motivo.
O Sindicato dos Bancários de Bauru e Região acredita que o trabalho de cuidado das mulheres não pode ser visto como natural. Tarefas indispensáveis para a manutenção da vida e bem estar, como alimentar, educar, limpar, abrigar, zelar e organizar, são cuidados coletivos e não só de responsabilidade feminina.
Conforme afirmou o manifesto escrito pela organização Think Olga “não há futuro possível se o sofrimento e o adoecimento delas não for encarado de frente”. Enquanto não houver mudança estrutural e cultural, coletividade, divisão de tarefas, paridade salarial e direito de descanso, o trabalho de cuidado das mulheres continuará marginalizado.
A entidade apoia o reconhecimento e o direito à remuneração dessas mulheres, mães, donas de casa, cuidadoras de idosos e de pessoas com deficiência, que se dedicam exclusivamente a esse tipo de trabalho fundamental à vida.